CARTOGRAFIA TRAÇA AS MÚLTIPLAS ROTAS DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Soymara Vieira, professora da 1ª série do ensino fundamental na Escola Nossa Senhora da Penha, em Niterói, participou, em 2017, do projeto de pesquisa e extensão Conversas entre professorxs: alteridades e singularidades (ConPAS), criado há 10 anos por professoras do Colégio de Aplicação (CAp) da UFRJ.
Após colaborar como autora de um artigo para o livro “Narrativas: Histórias da/na escola” – uma ação do projeto –, ela deu o comovente depoimento que transcrevemos abaixo.
“Ter minha experiência registrada em livro me empodera. É como se houvesse, enfim, o reconhecimento de que professores da educação básica produzem conhecimento (…) Eu amei o livro. Para a filha de açougueiros da cidade mais pobre da baixada fluminense, foi um sonho realizado poder apresentar para minha mãe: – Olha aqui, mãe! O meu nome no livro!”.
Criado na Faculdade de Letras, o Mitologando é outro projeto de extensão da UFRJ que, em todas as suas ações, privilegia o espaço da sala de aula e a relação com os professores da rede básica. O objetivo é difundir a cultura greco-romana para o público infanto-juvenil das escolas públicas.
Exemplos de iniciativas vinculadas à formação docente, os dois projetos mencionados acima – e detalhados adiante – irão compor a chamada cartografia de ações formativas do Complexo de Formação de Professores (CFP).
Um percurso de formação vasto e aberto
Mas, o que é essa cartografia e que conceito expressa? E porque assim nomear uma extensa galeria de ações de extensão, ensino e pesquisa nas áreas de formação inicial e formação continuada?
“A cartografia é um mapa de ações. E, mais do que isso, um mapa onde se pode mostrar diferentes percursos formativos numa perspectiva mais horizontal, rizomática, e não numa perspectiva de árvore, que seria mais vertical”, responde Carmen Gabriel, coordenadora do Comitê Permanente do Complexo e diretora da Faculdade de Educação (FE).
Carmen explica que a expressão cartografia articula duas noções: a de mapa e a de caminhos de formação sempre abertos e passíveis de reorientação. O Complexo tem uma ideia de movimento, segundo ela, que tornaria difícil classificar de forma rígida a sua espinha dorsal, que são as ações formativas: “A cartografia retrata melhor algo que está sempre em movimento. Essa é uma primeira ideia conceitual”.
“Ações formativas são ações acadêmicas”
Indo além, a diretora da FE acrescenta que a cartografia é um instrumento sem o qual a visibilidade do Complexo ficaria comprometida. Como não é um espaço físico e não se caracteriza como unidade acadêmica, o Complexo seria uma estrutura opaca e estéril dentro da Universidade sem esse mapa organizado e acessível das ações formativas.
Como fazer isso? Primeiramente, por meio de um site, dada a característica virtual acentuada do CFP. Embora online desde 12/6 , a página do Complexo na web está em fase de aperfeiçoamento e de levantamento de conteúdo. A ideia é que o site seja uma ferramenta interativa tanto do professor da rede básica como do professor da Universidade, assim como dos licenciandos.
“Queremos que todos os sujeitos envolvidos nesse processo de construção do Complexo possam acessá-lo virtualmente e, de alguma forma, fazer as suas escolhas”, sintetiza a coordenadora do Comitê Executivo.
Um aspecto importante que precisa ser assinalado – continua Carmen – é que a cartografia não é um espaço de divulgação de eventos. Todas as ações formativas precisam desembocar em creditação para os licenciandos ou em certificação para professores da rede básica. “Ou seja, as ações formativas são ações acadêmicas”, enfatiza a diretora da FE.
Levantamento de ações em andamento
O professor Joaquim Fernando Mendes da Silva, representante do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN) no Comitê Permanente do CFP, diz que mapear todas as ações formativas implica em conhecer não apenas as graduações de licenciatura, mas também os cursos de pós-graduação e os projetos de extensão e pesquisa envolvendo formação de professores.
À frente da elaboração da cartografia, ele frisa que o levantamento das ações em pesquisa tem sido o mais difícil, já que a UFRJ não possui um banco de dados dos projetos. Uma de suas tarefas será identificá-los e saber quais oferecem ou podem oferecer vagas para professores das escolas parceiras do Complexo.
“Vamos discutir como fazer isso com a nova gestão da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (PR-2)”, destaca Silva, cuja missão será menos espinhosa agora que assumiu o cargo de assessor da Pró-Reitoria de Graduação (PR-1) para o CFP. “É algo que representa uma nova etapa de institucionalização do Complexo”, acrescenta.
Isolamento das unidades é barreira a superar
Segundo ele, as chamadas ações formativas permanentes, como os cursos de graduação e de pós-graduação – “principalmente os stricto sensu” – já estão listadas. Há programas da Pró-Reitoria de Extensão (PR-5) que também têm um caráter mais duradouro, mas, eventualmente, um projeto pode deixar de oferecer vagas em determinados semestres.
“Essas são ações fáceis de mapear. Em Extensão, por exemplo, todas as iniciativas ficam registradas pelo Edital RUA [Edital de Registro Único de Ações de Extensão]. Com isso, conseguimos saber os projetos, cursos e eventos aprovados”, ressalta.
Contudo, mesmo com o levantamento das iniciativas de extensão concluído, falta mapear o número de vagas e as escolas que participam dos projetos. Todas essas informações são necessárias para que qualquer ação formativa possa integrar a cartografia e ficar disponível no site.
Os cursos também já foram compilados, mas faltava definir a forma de coleta de informações sobre disciplinas que irão oferecer vagas para professores e estudantes de licenciatura. “Isso já foi praticamente resolvido”, diz Silva.
De acordo com o docente, o maior obstáculo à criação da cartografia é o isolamento das unidades da UFRJ. O antídoto contra a histórica fragmentação acadêmica, para ele, é o diálogo permanente com coordenadores de cursos e projetos, especialmente. “Esse é o caminho para a construção desse espaço comum que é o Complexo”, sustenta.
Projeto valoriza troca entre Universidade e escola pública
Vice-diretora do Colégio de Aplicação (CAp) da UFRJ, Graça Reis é coordenadora do projeto de pesquisa e extensão Conversas entre professorxs: alteridades e singularidades (ConPAS), cujo pilar é a troca de experiências e saberes, um dos fundamentos do CFP.
“Conversamos sobre qualquer tema porque a gente trabalha sempre com a ideia de que a formação é também autoformação e passa pelo autoconhecimento”, afirma.
Depois de realizar ações de formação continuada com professores dos municípios de Queimados e Itatiaia, no formato de rodas de conversa, o ConPAS começou a atuar, a partir de 2016, em estabelecimentos do município do Rio de Janeiro.
Na escola Leitão da Cunha, por exemplo, o trabalho abrange a coparticipação dos estudantes nas aulas, reuniões de planejamento e encontros coletivos com o corpo docente da escola.
O ConPAS também oferece dois cursos de extensão: um para professores e professoras do ensino fundamental inicial e outro para estudantes da formação docente em ensino médio, com aulas semanais.
Histórias de vida são a base das atividades
Professora do 1º ao 5º ano do CAp e doutora em Educação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Graça explica que uma das bases do projeto são as chamadas escritas de si, que contam histórias de vida e ajudam o professor a compreender melhor a sua atividade profissional no cotidiano da escola.
“A partir das narrativas, conseguimos estabelecer relações até com vivências da escola em nossa infância, seja da professora que se amou ou daquela da qual não se tem boas lembranças. Isso perpassa toda a vida e faz parte da nossa profissão”, sublinha Graça, que dá aulas no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ.
Outro aspecto do ConPAS – que faz dele uma ação formativa que traduz de modo genuíno a essência do Complexo – é a perspectiva da horizontalidade, um dos princípios do CFP.
“Quando a gente realiza o curso ou vai para a escola fazer as rodas de conversa, nunca é com a perspectiva de ensinar. O que fazemos é pensar junto com os professores e professoras da rede básica a partir das suas próprias experiências e narrativas”, observa Graça.
Para ela, falar da experiência em sala de aula ajuda a encontrar soluções que muitas vezes são e devem ser locais, e não globais, “como defende o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos”.
Mitologando: diálogo em sala de aula facilita atividade
O projeto de extensão Mitologando, criado no início deste ano, também vem atuando junto a professores e estudantes de escolas da rede pública. O objetivo é difundir a literatura e a mitologia greco-romanas.
Katia Teonia, professora do Departamento de Letras Clássicas da Faculdade de Letras (FL) e coordenadora do Mitologando, frisa que há um diálogo constante com os professores para definir como abordar o tema com os alunos: “Junto com os professores, pensamos os mitos e os aspectos da cultura greco-romana mais pertinentes para apresentar aos estudantes, de acordo com a sua faixa etária”, conta.
Ela diz que as referências ao universo mitológico greco-romano na cultura contemporânea não são incomuns, como mostram, por exemplo, a história de Harry Potter ou o desenho Hércules. “Queremos consolidar ou então inaugurar esse contato e provocar algumas reflexões, a fim de pensar o que há de clássico hoje em nós e o que não há”, explica.
Além do Centro Esportivo Municipal de Educação Infantil Paulo Freire, em Mesquita, e do Instituto de Educação Governador Roberto Silveira, em Duque de Caxias, o Mitologando está presente nas escolas Bolívar e Tenente Antônio João, ambas do município do Rio. As duas últimas parcerias foram fechadas após a apresentação do Mitologando no âmbito do Complexo de Formação de Professores.
Segundo Katia, a relação com os professores da rede básica tem sido bastante proveitosa. “Já estamos pensando em outras ações que possam aproximar a UFRJ da escola pública, trazendo também alunos para dentro da Universidade’, adiantou.
O projeto está aberto a licenciaturas e graduações, embora todos os oito extensionistas hoje sejam da Faculdade de Letras. Entre eles, Elisa Moreno, estudante de pós-graduação lato-sensu em Literatura Infantil e contadora de histórias.
“A contação de história tem sido o veículo principal que estamos adotando para passar as histórias. Oferecemos para os alunos extensionistas algumas oficinas para capacitá-los e depois vamos às escolas fazer a nossa contação”, frisa a professora.
Outra ação do Mitologando é o estímulo à leitura. Katia vem fazendo uma pesquisa, desde 2016, para levantar todos os títulos publicados no Brasil sobre literatura greco-romana para crianças e jovens. “Esse levantamento será divulgado de modo organizado para que professores e pais possam ter uma ampla variedade de livros para escolher e apresentar aos seus alunos e filhos”, destaca.
O Mitologando tem uma página no Facebook e um perfil no Instagram (@mitologando) que já trazem indicação de um livro a cada semana. O próximo passo será produzir e publicar vídeos curtos com a leitura de trechos das obras feita pelos alunos extensionistas